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Jeffrey Sachs

Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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Da ilusão à paz real: o teste de Trump em Gaza e na Ucrânia

A paz verdadeira exige o reconhecimento do Estado palestino, a neutralidade da Ucrânia e coragem para enfrentar o lobby da guerra

Presidente dos EUA, Donald Trump 16/10/2025 (Foto: Jonathan Ernst/Reuters)

Publicado originalmente pela Al Jazeera em 23 de outubro de 2025

Por Jeffrey Sachs e Sybil Fares - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se apresenta como um pacificador. Em seus discursos, ele reivindica o mérito por tentar encerrar as guerras em Gaza e na Ucrânia. No entanto, por trás da retórica grandiosa, há uma ausência de substância — pelo menos até agora.

O problema não é a falta de esforço de Trump, mas a ausência de conceitos corretos. Ele confunde “paz” com “cessar-fogo” — medidas que, mais cedo ou mais tarde, voltam a dar lugar à guerra (geralmente mais cedo). Desde Lyndon Johnson, os presidentes norte-americanos têm sido subservientes ao complexo industrial-militar, que lucra com conflitos intermináveis. Trump apenas segue essa linha ao evitar uma resolução genuína para as guerras em Gaza e na Ucrânia.

A paz não é um cessar-fogo. A paz duradoura é alcançada quando se resolvem as disputas políticas que deram origem à guerra. Isso exige lidar com a história, o direito internacional e os interesses políticos que alimentam os conflitos. Sem enfrentar as causas profundas da guerra, os cessar-fogos são apenas um intervalo entre novas carnificinas.

Trump apresentou o que chama de “plano de paz” para Gaza. Contudo, o que propõe não passa de uma trégua temporária. Seu plano ignora o ponto central: o reconhecimento do Estado da Palestina. Um verdadeiro plano de paz deveria unir quatro resultados: o fim do genocídio praticado por Israel, o desarmamento do Hamas, a admissão da Palestina na ONU e a normalização das relações diplomáticas entre Israel e o Estado palestino em todo o mundo. Esses princípios básicos estão ausentes na proposta de Trump, razão pela qual nenhum país a endossou, apesar das insinuações da Casa Branca. No máximo, alguns governos apoiaram a “Declaração pela Paz e Prosperidade Duradoura”, um gesto temporário.

O plano de Trump foi apresentado a países árabes e muçulmanos com o objetivo de desviar a atenção do crescente movimento internacional em favor do Estado palestino. A proposta norte-americana busca conter esse avanço, permitindo que Israel continue a anexação de fato da Cisjordânia, o bombardeio contínuo de Gaza e a restrição à ajuda humanitária sob o pretexto de segurança. As ambições de Israel são eliminar a possibilidade de um Estado palestino — algo que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deixou claro na ONU, em setembro. Até o momento, Trump e seus aliados têm apenas reforçado a agenda israelense.

O “plano” de Trump já começa a desmoronar, assim como os Acordos de Oslo, a Cúpula de Camp David e outros processos de paz que trataram o Estado palestino como uma aspiração distante, e não como solução. Se Trump realmente quiser encerrar o conflito — algo duvidoso —, precisará romper com o Vale do Silício e o restante do complexo militar-industrial, beneficiários de vultosos contratos de armamentos. Desde outubro de 2023, os Estados Unidos gastaram US$ 21,7 bilhões em ajuda militar a Israel, boa parte desse dinheiro retornando à Califórnia.

Trump também teria de se afastar de sua principal financiadora, Miriam Adelson, e do lobby sionista. Com isso, ao menos representaria o povo americano — que apoia a criação do Estado palestino — e defenderia os interesses estratégicos dos EUA. O país se uniria ao consenso global esmagador que defende a implementação da solução de dois Estados, baseada em resoluções do Conselho de Segurança da ONU e em pareceres da Corte Internacional de Justiça.

O mesmo fracasso se repete na Ucrânia. Durante a campanha, Trump afirmou várias vezes que poderia encerrar a guerra “em 24 horas”. Contudo, o que ele propõe é novamente um cessar-fogo, e não uma solução política. A guerra prossegue.

A causa do conflito na Ucrânia não é um mistério — basta olhar além da narrativa da grande mídia. O estopim foi o impulso do complexo militar-industrial norte-americano pela expansão contínua da OTAN, inclusive para Ucrânia e Geórgia, e o golpe apoiado pelos EUA em Kiev, em fevereiro de 2014, que instalou um governo pró-OTAN e deu início à guerra. A chave para a paz, então e agora, é a neutralidade da Ucrânia como ponte entre a Rússia e a Aliança Atlântica.

Entre março e abril de 2022, a Turquia mediou um acordo de paz — o Processo de Istambul —, com base na neutralidade ucraniana. Mas os EUA e o Reino Unido pressionaram Kiev a abandonar as negociações. Enquanto Washington não renunciar explicitamente à expansão da OTAN, não haverá paz sustentável. O único caminho é um acordo negociado que garanta a neutralidade da Ucrânia, dentro de um quadro de segurança mútua entre Rússia, Ucrânia e países da OTAN.

O teórico militar Carl von Clausewitz descreveu a guerra como a continuação da política por outros meios — e tinha razão. Mas é ainda mais correto dizer que a guerra representa o fracasso da política. Quando governos ignoram problemas fundamentais e se recusam a negociar, o resultado é o conflito. A paz real exige coragem para fazer política e enfrentar os que lucram com a guerra.

Nenhum presidente desde John F. Kennedy tentou sinceramente fazer a paz. Muitos observadores em Washington acreditam que foi o assassinato de Kennedy que consolidou o poder do complexo militar-industrial. Além disso, a arrogância imperial dos EUA, já denunciada por J. William Fulbright nos anos 1960 — durante a guerra do Vietnã —, continua sendo um fator central. Assim como seus antecessores, Trump acredita que coerção, sanções econômicas e propaganda bastarão para forçar Vladimir Putin a se submeter à OTAN e o mundo muçulmano a aceitar o domínio permanente de Israel sobre a Palestina.

Trump e o establishment político de Washington, prisioneiros do complexo militar-industrial, dificilmente se libertarão dessas ilusões. Décadas de ocupação israelense na Palestina e mais de dez anos de guerra na Ucrânia — iniciada com o golpe de 2014 — mostram que os conflitos persistem, apesar das tentativas dos EUA de impor sua vontade. Enquanto isso, o dinheiro continua fluindo para as engrenagens da máquina de guerra.

Ainda assim, há um vislumbre de esperança, pois a realidade é teimosa.

Quando Trump chegar a Budapeste para se encontrar com o presidente russo Vladimir Putin, seu anfitrião, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, poderá ajudá-lo a compreender uma verdade fundamental: a expansão da OTAN precisa parar para que haja paz na Ucrânia. Da mesma forma, seus interlocutores no mundo islâmico — o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi e o presidente indonésio Prabowo Subianto — poderão explicar a necessidade urgente de reconhecer a Palestina como membro da ONU, condição indispensável para o desarmamento do Hamas e para a paz.

Trump pode, sim, promover a paz — se voltar à diplomacia. Para isso, precisará enfrentar o complexo militar-industrial, o lobby sionista e os fomentadores da guerra. Mas, se tiver coragem, contará com o apoio do mundo e do povo americano.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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